sábado, 15 de fevereiro de 2020

ÊXODO, CONQUISTA DA TERRA E ORIGEM DE ISRAEL - O QUE A ARQUEOLOGIA DIZ SOBRE ISSO?



Introdução


A bíblia conta a história do êxodo dos israelitas, da passagem pelo deserto e da conquista da terra nos livros de Êxodo a Josué. A história começa com o povo que era escravizado pelo faraó do Egito. Este povo foi miraculosamente libertado por obra de Yhwh agindo por intermédio do líder Moisés. Durante a passagem pelo deserto, não menos miraculosa, após a travessia do mar e o fim do exército de faraó, Yhwh faz uma aliança com o povo no monte Sinai, onde este passa a ser o povo de Yhwh. Yhwh, sob a liderança de Moisés os conduz a terra de Canaã, prometida ao povo desde os seus ancestrais. Após mais de 40 anos no deserto, o povo chega à terra. Moisés, já morto, é sucedido por Josué. Em uma rápida conquista, abrangendo seis capítulos no livro de Josué, os reinos de Canaã são devastados e a terra é dada ao povo. Esse é um resumo da história bíblica do povo de Israel.

O Pentateuco ou Hexateuco, como preferem alguns (por exemplo, G. von Rad), como conhecemos, nasceu na comunidade pós exílica reestruturada em torno do templo de Jerusalém com apoio de duas instituições: o sacerdócio e os anciãos. Conta uma história que é retratada pela Bíblia quase 1000 anos depois. Só para relembrar, o Brasil, considerando desde a chegada dos portugueses, possui 500 anos. Obviamente, não estou dizendo que todas as tradições foram escritas do zero nesse período. Mas estou me referindo ao texto em sua composição atual. O desenvolvimento do Pentateuco geraria uma (ou mais de uma) postagem à parte.

O objetivo dessa postagem é demonstrar o que a História e a Arqueologia têm a dizer sobre o êxodo e a origem do povo de Israel. Já vou começar com a conclusão: O êxodo, como descrito na bíblia, nunca ocorreu e nunca houve uma conquista militar das terras de Canaã pelo povo de Israel. Vamos aos fatos!

Sobre a data do evento


Com a decifração dos hieróglifos egípcios pelo especialista Jean-François Champolion na década de 1820, era de se esperar que poderíamos encontrar alguma referência egípcia ao êxodo entre a abundância de escritos egípcios que possuímos. Mas não há referência alguma este evento. Nenhuma sequer. A primeira referência egípcia ao povo de Israel em si é encontrada na Estela de Merneptá. Esta estela registra a vitória de faraó sobre alguns povos espalhados por Canaã. Segue parte do texto:

“Os príncipes estão todos prostrados, dizendo ‘Paz!’
Não há quem ouse erguer a cabeça entre os Nove Arcos.
Agora que Tehenu está em ruínas,
Hatti foi pacificada;
Canaã foi saqueada e toda a sorte de mal se abate sobre ela;
Ascalon foi derrotada;
Gezer foi capturada;
Ianoã é como se não existisse.
Israel é um deserto e sua semente não mais existe;
Hurru se tornou viúva por causa do Egito.”

 Estela de Merneptá


A estela é datada de 1207 ou 1208 AEC. Portanto, temos aí uma data de corte. Sabemos que, nesse período já existe um povo em Canaã conhecido como Israel.

A bíblia deixa uma referência da época em que ocorreu o êxodo: 1 Reis 6:1 diz que o templo de Salomão foi construído 480 anos após a saída dos israelitas da terra do Egito. Com isso, a correlação entre as datas de reinado dos reis israelitas e fontes externas egípcias e assírias situariam o êxodo mais ou menos 1440 AEC.

OBS: Salomão começa a construir o templo 480 anos depois do êxodo. Contando a partir desta data, ou seja, o 4º ano do reinado de Salomão, até o exílio babilônico, chega-se a 430 anos. Somando os 50 anos do exílio, temos exatamente 480 anos. Esta data faz parte de uma narrativa onde o templo está no centro da história. 480 anos antes, eles deixaram uma terra estrangeira (o Egito) rumo à terra prometida de Canaã. 480 anos depois, eles deixaram uma terra estrangeira (a Babilônia) rumo à terra prometida de Canaã. Isso se deve pela razão que vários momentos da narrativa ligada ao êxodo foram compostos simplesmente para fazer paralelo com o momento que estava sendo vivenciado quando se estava escrevendo o texto no período pós exílico.

Mas, vamos supor que a data bíblica fosse histórica e vamos tomar o período de 1440 AEC.

A bíblia relata que, antes do êxodo, os israelitas trabalharam na construção da cidade de Ramsés (Êxodo 1:11). A questão é que esse nome não faz sentido nesse período. O primeiro faraó chamado Ramsés subiu ao trono somente em 1320 AEC, mais de um século depois. Fontes egípcias relatam que a cidade de Pi-Ramsés (“A Casa de Ramsés”) foi construída no delta sob o governo do rei Ramsés II. Ramsés II reinou em 1279 a 1231 AEC.

Além disso, há vários outros nomes desconhecidos da geografia tardia do Egito, como Magdol, Piaorot, Baal Sefon (Êxodo 14:2), dentre outros.

Alguns, tentando conciliar as coisas (apesar de estarem ignorando a data de 1 Reis 6:1), tentaram argumentar que o êxodo poderia ter ocorrido na época de Ramsés II. Porém, como vimos pela Estela de Merneptá, em cerca de 1208 AEC, já existe em Canaã um povo conhecido como Israel que, inclusive, segundo o texto da estela, havia sofrido uma derrota pelos egípcios. O que deixaria bem apertada a questão do tempo do estabelecimento do povo. Segundo o relato bíblico, só a fase do deserto, durou 40 anos.

A dominação egípcia


Mas vamos à questão que "enterra o defunto de vez": Tanto em 1440 AEC, como no período de Ramsés II, e até cerca de 1170 AEC, o território de Canaã inteiro era parte do império egípcio. Em outras palavras: fugir do Egito para Canaã era fugir do Egito para o Egito.

No período de Ramsés II o Egito atingiu o ápice do seu controle sobre a região. Em toda a região costeira do caminho de Egito até Canaã havia várias fortificações militares com distância de um dia de caminhada entre uma e outra. Havia vários postos de inspeção e os beduínos eram vigiados ao longo de toda a fronteira. Esse conjunto era conhecido como o Caminho de Hórus.

Caminho de Hórus


Além disso, havia diversos baluartes egípcios na terra de Canaã. As cartas de el-Amarna nos contam que uma unidade de 50 soldados egípcios era o suficiente para acalmar agitações em Canaã. Um dos exemplos é o baluarte egípcio escavado no sítio de Betsã, ao sul do mar da Galileia, na década de 1920. Suas várias estruturas e pátios continham estátuas e monumentos com inscrições hieroglíficas da época dos faraós Seti I (1294-1279 AEC), Ramsés II (1279-1231 AEC) e Ramés III (1184-1153 AEC). Nesta antiga guarnição, havia escribas, soldados, administradores e tudo estava sob o controle dos egípcios. Isso significa que caso houvesse uma invasão violenta em regiões próximas, como Meguido (uma das cidades conquistadas por Josué – Josué 12:21), rapidamente soldados egípcios poderiam ser enviados para deter a agitação. Inclusive, Meguido mostrou evidência de forte influência egípcia até o final do século XII, bem depois da suposta conquista de Canaã pelos israelitas.

Quantidade de pessoas que partiram no Êxodo


O texto bíblico de Êxodo 12:37 diz o seguinte: “Os israelitas partiram de Ramsés em direção a Sucot, cerca de seiscentos homens a pé – somente os homens, sem contar suas famílias”.

São 600 mil homens, sem contar as famílias. Uma típica família relacionada aos primeiros assentamentos dos israelitas (ou proto-israelitas) nas terras de Canaã possui 4 a 7 pessoas. Vamos considerar uma média de 5. Multiplicando 5 por 600 mil, teríamos 3 milhões de pessoas. A população do Egito na época era de cerca de 3,5 milhões de pessoas. Mesmo se a quantidade de pessoas não ultrapassasse a população do Egito, o número de pessoas, no mínimo, seria o suficiente para causar uma enorme lacuna no sistema social e econômico que certamente estaria nos registros. O resultado seria uma enorme crise com abalo irremediável para o Império. Porém, não há nada relatado no Egito. O Egito seguiu firme e forte, como se nada houvesse acontecido.

OBS: Só para constar, a população israelita, no seu auge, na Idade do Ferro, mesmo somando Israel e Judá, nunca chegou nem perto de 1 milhão de pessoas.

Escavações no deserto


Diversas escavações em toda a península do Sinai foram realizadas e não encontramos nenhum vestígio sequer da ocupação israelita, mesmo nos principais pontos que a bíblia relata que os israelitas acamparam. Hoje, temos tecnologia o suficiente para detectar atividades de pequenos grupos de pastores em períodos até mesmo bem anteriores. Porém, não encontramos nada que indique a presença de milhões de israelitas que ficaram acampados por 40 anos naquela região.
Para complicar ainda mais: Escavações realizadas em localidades de destaque, como Cades Barneia, um dos principais pontos da rota israelita, indicam que no período do Bronze Tardio inteiro não houve sequer atividade humana no local. Além disso, povos cujo os quais os israelitas lutaram sequer existiam naquele momento. Por exemplo: Em números 21:1-3 é informado que Israel lutou contra o rei cananeu de Arad. Porém escavações no sítio de Tel Arad mostraram que não havia ninguém lá no período do Bronze Tardio inteiro. O mesmo vale para o povo de Hesebon, capital dos amorreus (Nm 21:21-35; Dt 2:24-37; Jz 11:19-21). Escavações mostraram que no Bronze Tardio inteiro não houve sequer um povoado lá. Sobre os povos da Transjordânia, Edom, Moab e Amom, (Nm 20:14-21; Nm 22-24; Dt 23:4-6, etc)  que são apresentados como nações desenvolvidas, hoje sabemos que a Transjordânia era esparsamente habitada no Bronze Tardio. Edom, por exemplo, que é mencionado na narrativa bíblica como um estado que possui um rei, não era nem mesmo habitado por uma população sedentária naquele período.

Cidades conquistadas?


Como foi dito, houve uma tentativa de se colocar o êxodo sob o período de Ramsés II, com isso a conquista de Canaã foi situada entre 1230 a 1220 AEC para coincidir com a Estela de Merneptá, que afirma que já havia um povo conhecido como Israel em Canaã em cerca de 1208 AEC. O livro de Josué relata que várias cidades cananeias foram destruídas e conquistadas. Porém, muitas destas cidades nem eram habitadas no século XIII AEC. Jericó, por exemplo, que possui a famosa narrativa da queda das muralhas pelo som das trombetas e dos gritos de guerra (Josué 6), não era habitada no século XIII AEC e o assentamento anterior, do século XIV AEC, foi pequeno, pobre e sem nenhuma fortificação ou muralha.

Língua Hebraica


Outra questão a ser colocada em pauta é que o hebraico é, basicamente, um dialeto cananeu. Seria um tanto quanto estranho um povo provindo do Egito (a Bíblia menciona que eles ficaram 430 anos no Egito conforme Êxodo 12:40 ou 400 anos conforme Gênesis 15:13) matar os seus inimigos naquela terra e se estabelecer falando o mesmo idioma que já era falado naquela localidade ao invés do seu idioma próprio!

Cabe considerar que a utilização do termo “hebraico” para designar a “língua” é uma designação relativamente recente. Nos tempos bíblicos não se utilizava essa designação. Por exemplo, em Isaías 19:18 a língua referente ao povo de Judá é chamada de “língua de Canaã”. Em outros textos bíblicos como 2 Reis 18:26,28 o termo é “judaico”.

O colapso do final do Bronze Tardio


Entre mais ou menos a metade final do século XIII AEC e a metade inicial do século XII AEC houve um colapso na região do Antigo Oriente Próximo, que marcou o fim da Idade do Bronze e o Início da Idade do Ferro. Várias cidades foram totalmente destruídas. O poderoso império hitita, na Anatólia, caiu. O poderoso Egito perdeu a maior parte dos seus territórios estrangeiros. A maioria dos especialistas aponta que o principal motivo foi a chegada de povos conhecidos como "povos do mar", que invadiram a região mediterrânea pelo mar Mediterrâneo. Além disso, também houve invasões terrestres em outras localidades do Antigo Oriente Próximo por arameus, frígios e líbios nesse período. Todo o Mediterrâneo Oriental estava tumultuado. A economia estava quebrada. Rotas marítimas de comércio estavam interrompidas com portos da costa mediterrânea destruídos e tomados. Em uma situação como essa de falência econômica, fome e desordem política é possível, inclusive, que uma cidade atacasse a outra ou que grupos nômades ou marginais pudessem tentar obter uma vantagem atacando uma cidade isolada. É bem possível também associarmos revoltas populares, visto que o sistema socioeconômico anterior era extremamente desigual e socialmente estratificado. Embora o principal motivo do colapso em Canaã tenha sido a chegada dos povos do mar, a destruição é maior do que se considera que eles poderiam causar e ainda há debates e dúvidas sobre o que mais pode ter ocorrido além disso. O fato é que o caos imperou naquele momento.

Invasões do século XII (Clique na imagem para ampliar)
1 - Frígios; 2 - Povos do Mar; 3 - Arameus; 4 - Líbios


Dentre os povos do mar, que invadiram a região de Canaã, estavam os filisteus, que, após a invasão, se estabeleceram na região costeira de Canaã.

Alto-relevo do templo mortuário de Ramsés III em Medinet Habu no Alto Egito, mostrando a batalha naval contra os povos do mar


Antes da invasão, Canaã era composta por um sistema de cidades-estado, porém um a um estes pequenos reinos foram caindo. Em meio a esse colapso, as cidades de Hazor, Afec, Laquis e Meguido, que foram relatadas no livro de Josué como destruídas por israelitas (Josué 11:10-14; 19:30; 10:31-34; 12:21), foram, de fato, destruídas. Porém, essa destruição ocorreu de forma gradual, em um período de mais de um século e não em uma conquista relâmpago como demonstrada no livro de Josué e tampouco por israelitas. A cidade de Hai, outra mencionada na bíblia como destruída pelos israelitas (Josué 8:14-29), foi destruída cerca de mil anos antes deste período.

Mapa onde se pode localizar algumas cidades relacionadas à conquista de Josué


Então, quem eram os israelitas?


Veja o mapa abaixo.

Mapa geográfico de Canaã


Com o colapso de Canaã, o Egito perdeu grande parte do seu domínio cananeu e eles passaram a ignorar a região montanhosa central, que possuía um território mais hostil, com maior dificuldade para o desenvolvimento, o comércio estrangeiro e a locomoção em comparação com as terras baixas. De fato, o povo de Israel surgiu nas terras altas, na região montanhosa central de Canaã.

Mas, de onde ele surgiu? Já foram levantadas algumas teorias sobre a origem do povo de Israel. Vou trabalhar a que me parece mais convincente explicando os argumentos e evidências.

Os símbolos utilizados na Estela de Merneptá para designar o povo de Israel possuem determinativos de “gente” relacionados a um grupo tribal de nômades ou seminômades.

Determinativos relacionados a um grupo tribal de nômades


A região montanhosa central era uma terra incógnita para arqueólogos até pouco tempo. Não por mera opção. De 1920 a 1967, devido a guerras e intranquilidade política, escavações no local eram desencorajadas. Nos anos que se seguiram, a região foi coberta por explorações intensas. Equipes de arqueólogos fizeram um “pente fino” percorrendo toda a área. Cada vale, cume e encosta foi vasculhado. Coletaram dados, reuniram as informações e escavaram nos pontos promissores.

Com isso, foi-se observado que em cerca de 1200 AEC havia cerca de 25 a 30 assentamentos na região. No período de 1000 AEC, havia cerca de 250 assentamentos. Eis aí o estabelecimento do antigo Israel.

Sítios da Idade do Ferro I na região montanhosa central


Foi-se verificado que não havia prédios públicos, palácios, armazéns ou templos nesse período. Também quase não havia itens de luxo. As casas encontradas possuíam um tamanho similar, dando a entender que a riqueza era distribuída de modo bastante equitativo entre as famílias. Em cerca de 1000 AEC, a população não pode ter passado muito a quantidade de 45 mil pessoas.

Setor escavado de Izbet Sartah, um povoado da Idade do Ferro I Tardia nos contrafortes ocidentais, caracterizado por casas com pilares de silos de grãos


Em estratos anteriores, mais fundos e mais antigos, podemos perceber que, no início, o conjunto de casas não possuía o formato retangular que veio a ocorrer posteriormente, mas possuíam um formato oval. Esse formato é característico de pastores nômades. Os rebanhos eram mantidos no pátio aberto no centro da estrutura oval.

Setor Escavado da Idade do Ferro I Inicial em Izbet Sartah
O formato oval indica as origens pastoris dos habitantes

A mudança na estrutura das casas, demonstra um processo gradual de nomadismo ou seminomadismo para sedentarismo, renunciando a maior parte dos seus animais e voltando-se a agricultura permanente.

Diga-se de passagem, essa evolução na estrutura pode ser percebida ainda nos tempos de hoje. Grupos de beduínos do Oriente Médio realizam acampamentos montando suas tendas lado a lado sob um formato oval. Ao passarem por um processo de assentamento, com frequência, trocam suas tendas por estruturas de pedras ou tijolos em formato similar. Mais tarde, gradualmente, se afastam dessa tradição e se mudam para povoados sedentários regulares.

Outro indício é que, inicialmente, a maior parte destes assentamentos estava localizada na parte leste da região, onde seria favorável a criação de animais, próximo ao deserto. Somente mais tarde, eles vieram a se expandir para a região oeste, que é menos favorável a atividade pastoril e mais apropriado para o cultivo de olivais e vinhas.

Mas esses pastores nômades vieram de onde?

Explorações extensivas feitas em décadas recentes nas terras altas coletaram dados sobre a natureza da ocupação humana nessa região durante muitos milênios.

Ondas de assentamentos nas regiões montanhosas

Podemos notar que sempre houve um fluxo contínuo de processos de assentamentos e abandono de assentamentos na região. No período do Bronze Inicial, temos a primeira onda de assentamentos, que chegou a um total de 100 sítios registrados. Em seguida, houve uma crise no assentamento, onde a maioria dos sítios foi abandonada. Na Idade do Bronze Média, temos uma segunda onda de assentamentos, maior que a primeira, chegando a totalizar cerca de 220 sítios registrados (muitos dos grandes centros desse período vieram a se tornar grandes centros na época posterior israelita, como Jerusalém, Hebron, Betel, Siló e Siquém). Em seguida, na Idade do Bronze Tardio, tivemos uma crise de assentamentos, onde houve apenas cerca de 25 a 30 sítios registrados. Posteriormente, já na Idade do Ferro I, temos uma terceira onda de assentamentos chegando a cerca de 250 sítios registrados. Em seguida, não houve mais crise de assentamentos. Na Idade do Ferro II, o sistema de assentamentos evolui e chega a mais de 500 sítios. Ou seja, depois da terceira onda de assentamentos, o povo ficou sedentário de uma vez por todas, constituindo assim o povo de Israel.

Determinante é o fato de que cada uma das três ondas de assentamentos é caracterizada por uma cultura material mais ou menos similar (cerâmica, arquitetura e o plano de povoado) que provavelmente foi resultado das condições econômicas e ambientais similares. Entretanto, essa cultura material é diferente da cultura material das terras baixas de Canaã.

Em todos os três períodos, temos registros de exportações de azeite de oliva destas terras altas para as terras baixas e para além das fronteiras de Canaã, especialmente o Egito. Cabe ressaltar também que podemos observar a mudança na atividade humana em relação aos ossos de animais encontrados no local. Em períodos de crise dos assentamentos, os ossos encontrados, em sua maioria, eram ossos de ovelhas e cabras, que são animais criados pelos beduínos por serem leves e se deslocarem rápido, diferentemente do gado constituído por vacas e bois. Nos momentos de onda de assentamento os ossos encontrados são justamente referentes ao gado constituído por ovelhas e bois, que indicam agricultura extensiva e o arado. A proporção destes ossos de vacas e bois é a mesma que encontramos em comunidades agrícolas de povoados tradicionais no Oriente Médio atual.

As alternâncias no estilo de vidas ocorriam conforme as demandas sociais da época. Mudanças econômicas, conflitos, altos impostos, recrutamentos para exércitos ou a busca por um maior conforto sedentário são fatores que influenciaram no estilo de vida dos habitantes das terras altas.

Cabe ressaltar que nômades e sedentários realizam trocas entre si onde ocorre a troca de carne, laticínios e couro por cereais e outros produtos agrícolas. Porém, os agricultores eram menos dependentes desse intercâmbio. Pois podiam sobreviver com o que produziam, mas os nômades não. Além de precisarem balancear a sua dieta altamente gordurosa de carne e leite, precisavam de alimento para os animais. Se eles não conseguissem os produtos agrícolas, eram obrigados a produzi-los. Com o colapso ocorrido em Canaã e a destruição das cidades baixas, havia menos ofertas de produtos agrícolas para os pastores nômades das terras altas. Desta forma, o modo de vida nômade nas terras altas ficou insustentável, sendo necessário uma mudança para a sedentarização.

Então, o surgimento de Israel não foi a causa do colapso da cultura cananeia, como pode-se pensar ao ler as narrativas bíblicas. Ao invés disso, foi consequência desse colapso. Os israelitas não vieram de outros lugares, sempre estiveram ali, naquela mesma região das terras altas, com a mesma cultura material desde o Bronze Inicial, porém, alternando o modo de vida entre nômade e sedentário. Os israelitas foram, originalmente, cananeus.

Uma característica singular do povo israelita


Processos semelhantes a este, de altos e baixos na atividade sedentária, também ocorreram em outras regiões, como em Edom, Moab e Amom. Entretanto, há algo que identifique o povo de Israel? Uma característica interessante é que em toda a Idade do Ferro não foram encontrados ossos de porcos na região o que se diferenciava das outras nações ao redor. Isso mostra que a restrição a esse tipo de carne já era um costume antigo. Já nas terras dos filisteus, diga-se de passagem, são encontrados uma quantidade surpreendente de ossos de porcos. Já podemos ver aí uma discrepância entre estes povos.

Conclusão


Ao analisarmos os dados arqueológicos vemos que não há como conciliar um evento como o êxodo bíblico de milhões de pessoas, a estadia de 40 anos no deserto e a conquista militar de Canaã. O texto da postagem foi só um resumo dos dados. Há vários outros argumentos ainda que corroboram o que foi descrito.

Entretanto, é possível, sim, que um pequeno grupo de pessoas possa ter fugido do Egito e ter se instalado em Canaã junto ao povo que sempre habitou lá e assim ter gerado a tradição do êxodo. É possível até mesmo que esse povo tenha tido algum tipo de contato no caminho com o culto a Yhwh e tenha trazido este culto a Israel, que originalmente cultuava o panteão cananeu (se quiser saber mais sobre a origem de Yhwh, CLIQUE AQUI). Porém, estes eventos terem ocorrido nas proporções das narrativas bíblicas é algo totalmente inviável.

Referências


FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia Desenterrada: A Nova Visão Arqueológica do Antigo Israel e das Origens dos Seus Textos Sagrados. Vozes. 2018.
(A principal fonte de informações para o texto foi este livro. Recomendo-o para quem quer se aprofundar no assunto.)

LIVERANI, Mario. Para Além da Bíblia: História Antiga de Israel. Paulus Editora; Edições Loyola. 2014.

A Bíblia e Seu Tempo: Um Olhar Arqueológico Sobre o Antigo Testamento. Direção: Thierry Ragobert. Produção: France 5; Cabiria Films; Sz Productions; 2005.

LOPES, Reinaldo José. Deus, Como Ele Nasceu. Editora Abril, 2015


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

NOVO TEMPLO ENCONTRADO PRÓXIMO A JERUSALÉM NA MESMA ÉPOCA DO TEMPLO DE SALOMÃO



Em 2012, foi encontrado um novo templo judaíta em Tel Moza pela Autoridade de Antiguidades de Israel (IAA), próximo à Jerusalém. Tel Moza é identificada com a cidade benjamita de Mosa descrita em Josué 18:26. O templo é datado do final do século X e início do século IX a.C..

No ano passado, conforme informado no site da Universidade de Tel Aviv, foi iniciada a primeira escavação acadêmica no local. A escavação foi liderada por pesquisadores da Universidade de Tel Aviv e da IAA. Na edição de janeiro/fevereiro deste ano da revista Biblical Archaeology Review foi publicado um artigo escrito por Oded Lipschits e Shua Kisilevitz sobre esta escavação.

Juntamente com o templo, foram encontradas estatuetas em forma humana, estatuetas de cavalos, uma plataforma de culto decorada com um par de leões ou esfinges, um altar de pedra, uma mesa de oferendas de pedra e uma cova cheia de cinzas e ossos de animais.

Segue um trecho da matéria do jornal Haaretz sobre o assunto:

"O centro de culto foi construído em cima de um celeiro. Lipschits vê isso como uma explicação para o processo de construção. 'Um governante local constrói um local para armazenar produtos agrícolas e, em um segundo estágio, ele estabelece um templo no mesmo local. Eles têm uma comunidade de 100 a 150 famílias e o chefe local construiu um templo para eles. Mais ou menos a mesma coisa foi feita em Jerusalém por um chefe local depois que ele também tentou estabelecer seu governo. Ambas as comunidades existem em paralelo. O regime em Jerusalém amplia sua influência para abranger novos grupos populacionais, mas o templo em Motza continua a existir', diz Lipschits.

Lipschits diz que o reino da Judéia não era um reino centralizado, mas construiu alianças entre o rei em Jerusalém e os governantes locais. Motza, de acordo com a teoria, tinha um governante relativamente forte que conseguiu manter a independência religiosa de Jerusalém.

Uma das questões interessantes que o templo de Motza levanta é como ele sobreviveu às reformas religiosas que os reis Ezequias e Josias lideraram nos séculos VII e VIII A.E.C.. Sob essas reformas, de acordo com a Bíblia, eram proibidos os locais de culto que competiam com Jerusalém, e muitos locais templos foram destruídos. Pesquisadores descobriram que os restos dos templos foram destruídos sob essas reformas em Tel Arad e Tel Be'er Sheva. Lipschits acredita que a razão para isso é que tanto Arad quanto Be'er Sheva tinham fortes militares diretamente subordinados ao rei, enquanto Motza tinha uma comunidade onde o rei não podia impor sua vontade.

E, ainda assim, o templo de Motza levanta algumas questões complexas. Não apenas estava muito perto do templo em Jerusalém, a apenas 5 quilômetros de distância, mas também sobreviveu e continua funcionando aparentemente sem interrupções, não apenas após as reformas, mas também após a destruição do Primeiro Templo. O templo de Motza foi presumivelmente abandonado, sem ser destruído, durante o período de retorno a Sião após o exílio na Babilônia, no século VI A.E.C.."

Veja mais informações em:


Publicação no site da Universidade de Tel Aviv:
https://english.tau.ac.il/news/new_temple

Publicação no Haaretz:
https://www.haaretz.com/archaeology/.premium-temple-found-near-j-lem-challenges-archaeologists-assumptions-on-first-temple-1.8492874

Edição de janeiro/fevereiro da revista Biblical Archaeology Review:
https://www.biblicalarchaeology.org/magazine-issue/biblical-archaeology-review-january-february-2020/

Artigo escrito por Oded Lipschits e Shua Kisilevitz:
https://www.baslibrary.org/biblical-archaeology-review/46/1/4

A ORIGEM DE SATÃ

Introdução Engana-se quem pensa que a teologia contida na Bíblia Hebraica (ou Antigo Testamento) é a mesma do começo ao fim. A Bíblia Hebrai...