Introdução
A bíblia conta a história do êxodo dos israelitas, da
passagem pelo deserto e da conquista da terra nos livros de Êxodo a Josué. A
história começa com o povo que era escravizado pelo faraó do Egito. Este povo
foi miraculosamente libertado por obra de Yhwh agindo por intermédio do líder
Moisés. Durante a passagem pelo deserto, não menos miraculosa, após a travessia
do mar e o fim do exército de faraó, Yhwh faz uma aliança com o povo no monte
Sinai, onde este passa a ser o povo de Yhwh. Yhwh, sob a liderança de Moisés
os conduz a terra de Canaã, prometida ao povo desde os seus ancestrais. Após
mais de 40 anos no deserto, o povo chega à terra. Moisés, já morto, é sucedido
por Josué. Em uma rápida conquista, abrangendo seis capítulos no livro de
Josué, os reinos de Canaã são devastados e a terra é dada ao povo. Esse é um
resumo da história bíblica do povo de Israel.
O Pentateuco ou Hexateuco, como preferem alguns (por
exemplo, G. von Rad), como conhecemos, nasceu na comunidade pós exílica
reestruturada em torno do templo de Jerusalém com apoio de duas instituições: o
sacerdócio e os anciãos. Conta uma história que é retratada pela Bíblia quase 1000 anos depois. Só para relembrar, o Brasil, considerando desde
a chegada dos portugueses, possui 500 anos. Obviamente, não estou dizendo que
todas as tradições foram escritas do zero nesse período. Mas estou me referindo
ao texto em sua composição atual. O desenvolvimento do Pentateuco geraria uma
(ou mais de uma) postagem à parte.
O objetivo dessa postagem é demonstrar o que a História e
a Arqueologia têm a dizer sobre o êxodo e a origem do povo de Israel. Já vou
começar com a conclusão: O êxodo, como descrito na bíblia, nunca ocorreu e
nunca houve uma conquista militar das terras de Canaã pelo povo de Israel.
Vamos aos fatos!
Sobre a data do evento
Com a decifração dos hieróglifos egípcios pelo
especialista Jean-François Champolion na década de 1820, era de se esperar que
poderíamos encontrar alguma referência egípcia ao êxodo entre a abundância de
escritos egípcios que possuímos. Mas não há referência alguma este evento.
Nenhuma sequer. A primeira referência egípcia ao povo de Israel em si é encontrada
na Estela de Merneptá. Esta estela registra a vitória de faraó sobre alguns povos
espalhados por Canaã. Segue parte do texto:
“Os príncipes estão todos prostrados, dizendo ‘Paz!’
Não há quem ouse erguer a cabeça entre os Nove Arcos.
Agora que Tehenu está em ruínas,
Hatti foi pacificada;
Canaã foi saqueada e toda a sorte de mal se abate sobre
ela;
Ascalon foi derrotada;
Gezer foi capturada;
Ianoã é como se não existisse.
Israel é um deserto e sua semente não mais existe;
Hurru se tornou viúva por causa do Egito.”
Estela de Merneptá
A estela é datada de 1207 ou 1208 AEC. Portanto, temos aí
uma data de corte. Sabemos que, nesse período já existe um povo em Canaã
conhecido como Israel.
A bíblia deixa uma referência da época em que ocorreu o
êxodo: 1 Reis 6:1 diz que o templo de Salomão foi construído 480 anos após a
saída dos israelitas da terra do Egito. Com isso, a correlação entre as datas
de reinado dos reis israelitas e fontes externas egípcias e assírias situariam o
êxodo mais ou menos 1440 AEC.
OBS: Salomão começa a
construir o templo 480 anos depois do êxodo. Contando a
partir desta data, ou seja, o 4º ano do reinado de Salomão, até o exílio
babilônico, chega-se a 430 anos. Somando os 50 anos do exílio, temos exatamente 480 anos. Esta
data faz parte de uma narrativa onde o templo está no centro da história. 480
anos antes, eles deixaram uma terra estrangeira (o Egito) rumo à terra prometida
de Canaã. 480 anos depois, eles deixaram uma terra estrangeira (a Babilônia)
rumo à terra prometida de Canaã. Isso se deve pela razão que vários momentos da
narrativa ligada ao êxodo foram compostos simplesmente para fazer paralelo com
o momento que estava sendo vivenciado quando se estava escrevendo o texto no
período pós exílico.
Mas, vamos supor que a data bíblica fosse histórica e
vamos tomar o período de 1440 AEC.
A bíblia relata que, antes do êxodo, os israelitas
trabalharam na construção da cidade de Ramsés (Êxodo 1:11). A questão é que
esse nome não faz sentido nesse período. O primeiro faraó chamado Ramsés subiu
ao trono somente em 1320 AEC, mais de um século depois. Fontes egípcias relatam
que a cidade de Pi-Ramsés (“A Casa de Ramsés”) foi construída no delta sob o
governo do rei Ramsés II. Ramsés II reinou em 1279 a 1231 AEC.
Além disso, há vários outros nomes desconhecidos da geografia
tardia do Egito, como Magdol, Piaorot, Baal Sefon (Êxodo 14:2), dentre outros.
Alguns, tentando conciliar as coisas (apesar de estarem
ignorando a data de 1 Reis 6:1), tentaram argumentar que o êxodo poderia ter
ocorrido na época de Ramsés II. Porém, como vimos pela Estela de Merneptá, em
cerca de 1208 AEC, já existe em Canaã um povo conhecido como Israel que,
inclusive, segundo o texto da estela, havia sofrido uma derrota pelos egípcios.
O que deixaria bem apertada a questão do tempo do estabelecimento do povo.
Segundo o relato bíblico, só a fase do deserto, durou 40 anos.
A dominação egípcia
Mas vamos à questão que "enterra o defunto de vez": Tanto
em 1440 AEC, como no período de Ramsés II, e até cerca de 1170 AEC, o
território de Canaã inteiro era parte do império egípcio. Em outras palavras: fugir do Egito para Canaã era fugir do Egito para o Egito.
No período de Ramsés II o Egito atingiu o ápice do seu
controle sobre a região. Em toda a região costeira do caminho de Egito até
Canaã havia várias fortificações militares com distância de um dia de caminhada
entre uma e outra. Havia vários postos de inspeção e os beduínos eram vigiados
ao longo de toda a fronteira. Esse conjunto era conhecido como o Caminho de Hórus.
Caminho de Hórus
Além disso, havia diversos baluartes egípcios na terra de
Canaã. As cartas de el-Amarna nos contam que uma unidade de 50 soldados
egípcios era o suficiente para acalmar agitações em Canaã. Um dos exemplos é o
baluarte egípcio escavado no sítio de Betsã, ao sul do mar da Galileia, na
década de 1920. Suas várias estruturas e pátios continham estátuas e monumentos
com inscrições hieroglíficas da época dos faraós Seti I (1294-1279 AEC), Ramsés
II (1279-1231 AEC) e Ramés III (1184-1153 AEC). Nesta antiga guarnição, havia
escribas, soldados, administradores e tudo estava sob o controle dos egípcios.
Isso significa que caso houvesse uma invasão violenta em regiões próximas, como
Meguido (uma das cidades conquistadas por Josué – Josué 12:21), rapidamente
soldados egípcios poderiam ser enviados para deter a agitação. Inclusive,
Meguido mostrou evidência de forte influência egípcia até o final do século
XII, bem depois da suposta conquista de Canaã pelos israelitas.
Quantidade de pessoas que partiram no Êxodo
O texto bíblico de Êxodo 12:37 diz o seguinte: “Os
israelitas partiram de Ramsés em direção a Sucot, cerca de seiscentos homens a
pé – somente os homens, sem contar suas famílias”.
São 600 mil homens, sem contar as famílias. Uma típica
família relacionada aos primeiros assentamentos dos israelitas (ou
proto-israelitas) nas terras de Canaã possui 4 a 7 pessoas. Vamos considerar uma média de 5. Multiplicando 5 por 600 mil, teríamos 3 milhões de pessoas. A
população do Egito na época era de cerca de 3,5 milhões de pessoas. Mesmo se a quantidade
de pessoas não ultrapassasse a população do Egito, o número de pessoas, no
mínimo, seria o suficiente para causar uma enorme lacuna no sistema social e
econômico que certamente estaria nos registros. O resultado seria uma enorme
crise com abalo irremediável para o Império. Porém, não há nada relatado no
Egito. O Egito seguiu firme e forte, como se nada houvesse acontecido.
OBS: Só para constar, a população israelita, no seu auge,
na Idade do Ferro, mesmo somando Israel e Judá, nunca chegou nem perto de 1
milhão de pessoas.
Escavações no deserto
Diversas escavações em toda a península do Sinai foram
realizadas e não encontramos nenhum vestígio sequer da ocupação israelita,
mesmo nos principais pontos que a bíblia relata que os israelitas acamparam.
Hoje, temos tecnologia o suficiente para detectar atividades de pequenos grupos
de pastores em períodos até mesmo bem anteriores. Porém, não encontramos nada
que indique a presença de milhões de israelitas que ficaram acampados por 40
anos naquela região.
Para complicar ainda mais: Escavações realizadas em
localidades de destaque, como Cades Barneia, um dos principais pontos da rota
israelita, indicam que no período do Bronze Tardio inteiro não houve sequer
atividade humana no local. Além disso, povos cujo os quais os israelitas lutaram
sequer existiam naquele momento. Por exemplo: Em números 21:1-3 é informado que
Israel lutou contra o rei cananeu de Arad. Porém escavações no sítio de Tel
Arad mostraram que não havia ninguém lá no período do Bronze Tardio inteiro. O
mesmo vale para o povo de Hesebon, capital dos amorreus (Nm 21:21-35; Dt
2:24-37; Jz 11:19-21). Escavações mostraram que no Bronze Tardio inteiro não
houve sequer um povoado lá. Sobre os povos da Transjordânia, Edom, Moab e Amom,
(Nm 20:14-21; Nm 22-24; Dt 23:4-6, etc) que
são apresentados como nações desenvolvidas, hoje sabemos que a Transjordânia
era esparsamente habitada no Bronze Tardio. Edom, por exemplo, que é mencionado na narrativa bíblica como um estado que possui um rei, não era nem mesmo habitado
por uma população sedentária naquele período.
Cidades conquistadas?
Como foi dito, houve uma tentativa de se colocar o êxodo
sob o período de Ramsés II, com isso a conquista de Canaã foi situada entre
1230 a 1220 AEC para coincidir com a Estela de Merneptá, que afirma que já
havia um povo conhecido como Israel em Canaã em cerca de 1208 AEC. O livro de
Josué relata que várias cidades cananeias foram destruídas e conquistadas.
Porém, muitas destas cidades nem eram habitadas no século XIII AEC. Jericó, por
exemplo, que possui a famosa narrativa da queda das muralhas pelo som das
trombetas e dos gritos de guerra (Josué 6), não era habitada no século XIII AEC
e o assentamento anterior, do século XIV AEC, foi pequeno, pobre e sem nenhuma
fortificação ou muralha.
Língua Hebraica
Outra questão a ser colocada em pauta é que o hebraico é,
basicamente, um dialeto cananeu. Seria um tanto quanto estranho um povo
provindo do Egito (a Bíblia menciona que eles ficaram 430 anos no Egito
conforme Êxodo 12:40 ou 400 anos conforme Gênesis 15:13) matar os seus inimigos
naquela terra e se estabelecer falando o mesmo idioma que já era falado naquela
localidade ao invés do seu idioma próprio!
Cabe considerar que a utilização do termo “hebraico” para
designar a “língua” é uma designação relativamente recente. Nos tempos
bíblicos não se utilizava essa designação. Por exemplo, em Isaías 19:18 a
língua referente ao povo de Judá é chamada de “língua de Canaã”. Em outros
textos bíblicos como 2 Reis 18:26,28 o termo é “judaico”.
O colapso do final do Bronze Tardio
Entre mais ou menos a metade final do século XIII AEC e a
metade inicial do século XII AEC houve um colapso na região do Antigo Oriente
Próximo, que marcou o fim da Idade do Bronze e o Início da Idade do Ferro.
Várias cidades foram totalmente destruídas. O poderoso império hitita, na
Anatólia, caiu. O poderoso Egito perdeu a maior parte dos seus territórios
estrangeiros. A maioria dos especialistas aponta que o principal motivo foi a
chegada de povos conhecidos como "povos do mar", que invadiram a região mediterrânea pelo mar
Mediterrâneo. Além disso, também houve invasões terrestres em outras
localidades do Antigo Oriente Próximo por arameus, frígios e líbios nesse período. Todo o Mediterrâneo Oriental
estava tumultuado. A economia estava quebrada. Rotas marítimas de comércio
estavam interrompidas com portos da costa mediterrânea destruídos e tomados. Em
uma situação como essa de falência econômica, fome e desordem política é
possível, inclusive, que uma cidade atacasse a outra ou que grupos nômades ou
marginais pudessem tentar obter uma vantagem atacando uma cidade isolada. É bem
possível também associarmos revoltas populares, visto que o sistema
socioeconômico anterior era extremamente desigual e socialmente estratificado. Embora
o principal motivo do colapso em Canaã tenha sido a chegada dos povos do mar, a
destruição é maior do que se considera que eles poderiam causar e ainda há debates
e dúvidas sobre o que mais pode ter ocorrido além disso. O fato é que o caos
imperou naquele momento.
Invasões do século XII (Clique na imagem para ampliar)
1 - Frígios; 2 - Povos do Mar; 3 - Arameus; 4 - Líbios
Dentre os povos do mar, que invadiram a região de Canaã,
estavam os filisteus, que, após a invasão, se estabeleceram na região costeira de
Canaã.
Alto-relevo do templo mortuário de Ramsés III em Medinet Habu no Alto Egito, mostrando a batalha naval contra os povos do mar
Antes da invasão, Canaã era composta por um sistema de
cidades-estado, porém um a um estes pequenos reinos foram caindo. Em
meio a esse colapso, as cidades de Hazor, Afec, Laquis e Meguido, que foram
relatadas no livro de Josué como destruídas por israelitas (Josué 11:10-14;
19:30; 10:31-34; 12:21), foram, de fato, destruídas. Porém, essa destruição
ocorreu de forma gradual, em um período de mais de um século e não em uma
conquista relâmpago como demonstrada no livro de Josué e tampouco por
israelitas. A cidade de Hai, outra mencionada na bíblia como destruída pelos
israelitas (Josué 8:14-29), foi destruída cerca de mil anos antes deste período.
Mapa onde se pode localizar algumas cidades relacionadas à conquista de Josué
Então, quem eram os israelitas?
Veja o mapa abaixo.
Mapa geográfico de Canaã
Com o colapso de Canaã, o Egito perdeu grande parte do
seu domínio cananeu e eles passaram a ignorar a região montanhosa central, que
possuía um território mais hostil, com maior dificuldade para o desenvolvimento,
o comércio estrangeiro e a locomoção em comparação com as terras baixas. De
fato, o povo de Israel surgiu nas terras altas, na região montanhosa central de
Canaã.
Mas, de onde ele surgiu? Já foram levantadas algumas
teorias sobre a origem do povo de Israel. Vou trabalhar a que me parece mais
convincente explicando os argumentos e evidências.
Os símbolos utilizados na Estela de Merneptá para
designar o povo de Israel possuem determinativos de “gente” relacionados a um
grupo tribal de nômades ou seminômades.
Determinativos relacionados a um grupo tribal de nômades
A região montanhosa central era uma terra incógnita para
arqueólogos até pouco tempo. Não por mera opção. De 1920 a 1967, devido a guerras
e intranquilidade política, escavações no local eram desencorajadas. Nos anos
que se seguiram, a região foi coberta por explorações intensas. Equipes de arqueólogos
fizeram um “pente fino” percorrendo toda a área. Cada vale, cume e encosta foi
vasculhado. Coletaram dados, reuniram as informações e escavaram nos pontos
promissores.
Com isso, foi-se observado que em cerca de 1200 AEC havia
cerca de 25 a 30 assentamentos na região. No período de 1000 AEC, havia cerca de 250
assentamentos. Eis aí o estabelecimento do antigo Israel.
Sítios da Idade do Ferro I na região montanhosa central
Foi-se verificado que não havia prédios públicos,
palácios, armazéns ou templos nesse período. Também quase não havia itens de
luxo. As casas encontradas possuíam um tamanho similar, dando a entender que a
riqueza era distribuída de modo bastante equitativo entre as famílias. Em cerca
de 1000 AEC, a população não pode ter passado muito a quantidade de 45 mil pessoas.
Setor escavado de Izbet Sartah, um povoado da Idade do Ferro I Tardia nos contrafortes ocidentais, caracterizado por casas com pilares de silos de grãos
Em estratos anteriores, mais fundos e mais antigos,
podemos perceber que, no início, o conjunto de casas não possuía o formato
retangular que veio a ocorrer posteriormente, mas possuíam um formato oval.
Esse formato é característico de pastores nômades. Os rebanhos eram mantidos no
pátio aberto no centro da estrutura oval.
Setor Escavado da Idade do Ferro I Inicial em Izbet Sartah
O formato oval indica as origens pastoris dos habitantes
A mudança na estrutura das casas, demonstra um processo
gradual de nomadismo ou seminomadismo para sedentarismo, renunciando a maior
parte dos seus animais e voltando-se a agricultura permanente.
Diga-se de passagem, essa evolução na estrutura pode ser
percebida ainda nos tempos de hoje. Grupos de beduínos do Oriente Médio realizam
acampamentos montando suas tendas lado a lado sob um formato oval. Ao passarem por um
processo de assentamento, com frequência, trocam suas tendas por estruturas de
pedras ou tijolos em formato similar. Mais tarde, gradualmente, se afastam
dessa tradição e se mudam para povoados sedentários regulares.
Outro indício é que, inicialmente, a maior parte destes
assentamentos estava localizada na parte leste da região, onde seria favorável
a criação de animais, próximo ao deserto. Somente mais tarde, eles vieram a se
expandir para a região oeste, que é menos favorável a atividade pastoril e mais apropriado para o cultivo de olivais e vinhas.
Mas esses pastores nômades vieram de onde?
Explorações extensivas feitas em décadas recentes nas terras altas coletaram dados sobre a natureza da ocupação humana nessa região
durante muitos milênios.
Ondas de assentamentos nas regiões montanhosas
Podemos notar que sempre houve um fluxo contínuo de processos
de assentamentos e abandono de assentamentos na região. No período do Bronze
Inicial, temos a primeira onda de assentamentos, que chegou a um total de 100
sítios registrados. Em seguida, houve uma crise no assentamento, onde a maioria
dos sítios foi abandonada. Na Idade do Bronze Média, temos uma segunda onda de
assentamentos, maior que a primeira, chegando a totalizar cerca de 220 sítios
registrados (muitos dos grandes centros desse período vieram a se tornar
grandes centros na época posterior israelita, como Jerusalém, Hebron, Betel,
Siló e Siquém). Em seguida, na Idade do Bronze Tardio, tivemos uma crise de
assentamentos, onde houve apenas cerca de 25 a 30 sítios registrados.
Posteriormente, já na Idade do Ferro I, temos uma terceira onda de
assentamentos chegando a cerca de 250 sítios registrados. Em seguida, não houve
mais crise de assentamentos. Na Idade do Ferro II, o sistema de assentamentos
evolui e chega a mais de 500 sítios. Ou seja, depois da terceira onda de
assentamentos, o povo ficou sedentário de uma vez por todas, constituindo assim
o povo de Israel.
Determinante é o fato de que cada uma das três ondas de
assentamentos é caracterizada por uma cultura material mais ou menos similar
(cerâmica, arquitetura e o plano de povoado) que provavelmente foi resultado
das condições econômicas e ambientais similares. Entretanto, essa cultura
material é diferente da cultura material das terras baixas de Canaã.
Em todos os três períodos, temos registros de exportações
de azeite de oliva destas terras altas para as terras baixas e para além das
fronteiras de Canaã, especialmente o Egito. Cabe ressaltar também que podemos
observar a mudança na atividade humana em relação aos ossos de animais encontrados
no local. Em períodos de crise dos assentamentos, os ossos encontrados, em sua maioria,
eram ossos de ovelhas e cabras, que são animais criados pelos beduínos por
serem leves e se deslocarem rápido, diferentemente do gado constituído por
vacas e bois. Nos momentos de onda de assentamento os ossos encontrados são justamente
referentes ao gado constituído por ovelhas e bois, que indicam agricultura
extensiva e o arado. A proporção destes ossos de vacas e bois é a mesma que
encontramos em comunidades agrícolas de povoados tradicionais no Oriente Médio
atual.
As alternâncias no estilo de vidas ocorriam conforme as demandas
sociais da época. Mudanças econômicas, conflitos, altos impostos, recrutamentos
para exércitos ou a busca por um maior conforto sedentário são fatores que
influenciaram no estilo de vida dos habitantes das terras altas.
Cabe ressaltar que nômades e sedentários realizam trocas
entre si onde ocorre a troca de carne, laticínios e couro por cereais e outros
produtos agrícolas. Porém, os agricultores eram menos dependentes desse
intercâmbio. Pois podiam sobreviver com o que produziam, mas os nômades não.
Além de precisarem balancear a sua dieta altamente gordurosa de carne e leite,
precisavam de alimento para os animais. Se eles não conseguissem os produtos
agrícolas, eram obrigados a produzi-los. Com o colapso ocorrido em Canaã e a
destruição das cidades baixas, havia menos ofertas de produtos agrícolas para os pastores nômades das terras altas. Desta forma, o modo de vida nômade nas terras altas ficou
insustentável, sendo necessário uma mudança para a sedentarização.
Então, o surgimento de Israel não foi a causa do colapso
da cultura cananeia, como pode-se pensar ao ler as narrativas bíblicas. Ao invés
disso, foi consequência desse colapso. Os israelitas não vieram de outros
lugares, sempre estiveram ali, naquela mesma região das terras altas, com a mesma
cultura material desde o Bronze Inicial, porém, alternando o modo de vida entre
nômade e sedentário. Os israelitas foram, originalmente, cananeus.
Uma característica singular do povo israelita
Processos semelhantes a este, de altos e baixos na atividade sedentária, também ocorreram em outras regiões, como em Edom, Moab e
Amom. Entretanto, há algo que identifique o povo de Israel? Uma característica
interessante é que em toda a Idade do Ferro não foram encontrados ossos de
porcos na região o que se diferenciava das outras nações ao redor. Isso mostra que a restrição a esse tipo de carne já era um costume antigo. Já nas
terras dos filisteus, diga-se de passagem, são encontrados uma quantidade
surpreendente de ossos de porcos. Já podemos ver aí uma discrepância entre
estes povos.
Conclusão
Ao analisarmos os dados arqueológicos vemos que
não há como conciliar um evento como o êxodo bíblico de milhões de pessoas, a
estadia de 40 anos no deserto e a conquista militar de Canaã. O texto da
postagem foi só um resumo dos dados. Há vários outros argumentos ainda que
corroboram o que foi descrito.
Entretanto, é possível, sim, que um pequeno grupo de pessoas possa ter fugido do Egito e ter se instalado em Canaã junto ao povo que sempre habitou lá e assim ter gerado a tradição do êxodo. É possível até mesmo que esse povo tenha tido algum tipo de contato no caminho com o culto a Yhwh e tenha trazido este culto a Israel, que originalmente cultuava o panteão cananeu (se quiser saber mais sobre a origem de Yhwh, CLIQUE AQUI). Porém, estes eventos terem ocorrido nas proporções das narrativas bíblicas é algo totalmente inviável.
Entretanto, é possível, sim, que um pequeno grupo de pessoas possa ter fugido do Egito e ter se instalado em Canaã junto ao povo que sempre habitou lá e assim ter gerado a tradição do êxodo. É possível até mesmo que esse povo tenha tido algum tipo de contato no caminho com o culto a Yhwh e tenha trazido este culto a Israel, que originalmente cultuava o panteão cananeu (se quiser saber mais sobre a origem de Yhwh, CLIQUE AQUI). Porém, estes eventos terem ocorrido nas proporções das narrativas bíblicas é algo totalmente inviável.
Referências
FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia Desenterrada: A Nova Visão Arqueológica do Antigo Israel e das Origens dos Seus Textos Sagrados. Vozes. 2018.
(A principal fonte de informações para o texto foi este livro. Recomendo-o para quem quer se aprofundar no assunto.)
LIVERANI, Mario. Para Além da Bíblia: História Antiga de Israel. Paulus Editora; Edições Loyola. 2014.
A Bíblia e Seu Tempo: Um Olhar Arqueológico Sobre o Antigo Testamento. Direção: Thierry Ragobert. Produção: France 5; Cabiria Films; Sz Productions; 2005.
LOPES, Reinaldo José. Deus, Como Ele Nasceu. Editora Abril, 2015












